As restrições para tomada de créditos da Cofins e PIS, na parte relativa ao ICMS das aquisições, estabelecidas pela Lei nº.14.592/2023 são inconstitucionais
A Medida Provisória nº 1.159/2023 passou a vetar o direito dos contribuintes de se creditarem da COFINS e PIS em relação ao ICMS uma vez que esse imposto não mais compunha a base de cálculo das contribuições. Todavia, a referida Medida Provisória não foi votada pelo Congresso no prazo e, por isso, perdeu sua validade.
Em razão disso, o Governo Federal buscou apoio no Congresso para incluir o texto da MP 1.159/2023 no Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória nº 1.147/22 (que originalmente cuidara de outra matéria, no caso o PERSE), em flagrante manobra legislativa inconstitucional, a qual foi convertida na Lei nº 14.592/23.
Resta claro que houve uma “engenharia legislativa”, a qual, embora aparentemente bem concebida, violou a CF/88, conforme já decidiu o pleno do STF no julgamento da ADI nº 5.127-DF: “1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória.”
Em recente decisão, prolatada em 2 de outubro p.p., a Juíza da 2ª Vara Federal de Osasco deferiu medida liminar no MS nº 5003106-94.2023.4.03.6130 reconhecendo a inconstitucionalidade formal da Lei nº 14.592/23, autorizando o contribuinte a continuar apurando os créditos de PIS e Cofins considerando o ICMS incidente nas operações de aquisição (tomada de créditos de PIS e Cofins sobre o valor integral das notas de aquisição de mercadorias ou serviços, sem o desconto da parcela relativa ao ICMS), nos termos em que autorizam o artigo 3º, § 1º, das Leis nos 10.637/02 e 10.833/03, não se sujeitando às alterações promovidas pela MP nº 1.159/23, agora, pelos artigos 6º e 7º da Lei nº 14.592/23.
Além da mencionada inconstitucionalidade, entendemos que o direito ao crédito decorre do regime da não-cumulatividade e o ICMS representa custo para a empresa adquirente e, assim, gera crédito, como reconheceu o STJ, no REsp. nº 2.044.621/RS, o direito do contribuinte de descontar o crédito de PIS e Cofins sobre o ICMS-ST, uma vez que esse os valores referentes ao ICMS-ST integram o custo de compra das mercadorias e, assim, geram direito ao creditamento.
Essa discussão vinha sendo apreciada pelo Judiciário antes mesmo da referida alteração legislativa, tendo prevalecido o princípio não-cumulatividade (art. 195, §12, CF/88), conforme APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA – 5000412-65.2017.4.03.6130, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 16/09/2021, Intimação via sistema DATA: 20/09/2021.
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA UNIÃO FEDERAL. INCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES AO PIS E COFINS. RE Nº 574.706/PR. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO QUANTO À NEUTRALIZAÇÃO DOS EFEITOS DO ICMS NO SISTEMA NÃO CUMULATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
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O v. aresto embargado expressamente consignou que “não existe contrapartida entre a exclusão do ICMS da base de cálculo de incidência do PIS/COFINS e a exclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS/COFINS”.
Enquanto a base de cálculo dos créditos de PIS/COFINS é o preço da aquisição, definido por lei, a incidência do PIS/COFINS nas saídas leva em consideração o conceito de faturamento, também definido legalmente. As relações não se confundem e não se comunicam.
A decisão proferida no RE nº 574.706 em nada alterou a forma de apuração dos créditos, permanecendo incólume a legislação que trata do tema.
Vale assinalar que a Procuradoria da Fazenda Nacional editou o Parecer SEI 14.483/21 reconhecendo que o RE nº 574.706 não cuidou da sistemática de creditamento (“recálculo de créditos de PIS/Cofins apurados nas operações de entrada, porque a questão não foi, nem poderia ter sido discutida no julgamento do Tema 69”).
- Sobre o tema, anote-se, a Coordenação-Geral de Assuntos Tributários (CAT/PGACCAT), por meio do Parecer SEI Nº 12943/2021/ME, esclareceu os questionamentos apresentados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil no Parecer Cosit n. 10, de 1 de julho de 2021, concluindo, após percuciente análise, embasada no arcabouço normativo do direito material tributário, que:
“66. Diante do exposto, e nos limites da atribuição regimental desta Coordenação-Geral de Assuntos Tributários, conclui-se que a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, tal como definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema n. 69, não autoriza a extensão à apuração dos créditos dessas contribuições, em razão da legislação de regência, em especial dos arts. 2º e 3º da Lei n.10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2004.
- Com isso, ratica-se o item a da consulta formulada no Parecer Cosit n. 10, de 1 de julho de 2021, e retifica-se o item b, considerando a inexistência de lastro legal para fins de exclusão do ICMS na apuração dos créditos.
- A tese contrária, notadamente em âmbito judicial, ainda que sob a alegada justificativa se conferir maior neutralidade e razoabilidade ao sistema, não apresenta sustentação no modelo de creditamento de PIS e COFINS, definido pelo artigo 195, § 12 da Constituição de1988 e pelos arts. 2º e 3º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2004. 69.
Na esteira do quanto expusemos, cumpre transcrever excerto do voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, nos EMB .DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 574.706: “Eu recordo também que vários votos, inclusive, especialmente o da eminente relatora, ressaltaram, no julgamento de mérito, que o ICMS a ser considerado era aquele destacado na fatura, e não o recolhido.”
Em remate, essas breves considerações exprimem nosso entendimento sobre a matéria no sentido da viabilidade do questionamento judicial por parte de todos os contribuintes que estejam sendo prejudicados pela Lei n° 14.592/2023.