Direito à compensação de tributos federais e críticas às restrições indevidas estabelecidas na Portaria Normativa MF n. 14, de 5-1-2024
Consoante será sucintamente demonstrado, a Portaria in casu reveste matizes teratológicos incredíveis, pois, ao lume da Ciência do Direito, afronta postulados constitucionais e legais, culminando por hospedar induvidosa nulidade pleno jure.
Descompasso com o primado da estrita legalidade
Em primeiro lugar, é noção cediça que na seara da tributação não basta a Lei em sua acepção genérica, nos termos do art. 5º,II, da CF, mas, sim, a Lei esmiuçando todos os meandros da norma jurídica, a exemplo do fato suscetível de incidência, o lugar e o momento em que se instala o vínculo obrigacional, senão também os sujeitos da relação e a quantificação do gravame, em obséquio, aliás, ao contido no art. 150,II, da Constituição Federal.
O rigor da estrita legalidade é de tal dimensão que a Lei Tributária, caso queira o legislador, não poderia jamais delegar poderes para sua implementação no tocante aos seus componentes material, espacial, temporal pessoal e quantitativo, conforme prefalado.
Não obstante, a Portaria sub examen dispõe sobre a efetivação da compensação sob o prisma temporal e quantitativo, o primeiro na medida em que limita o tempo do exercício do aludido direito, enquanto o segundo na proporção que determina os valores a serem compensados. Em suma, numa penada só, a Portaria usurpou função privativa da lei em sentido estrito, a qual, diga-se de passo, não poderia normatizar nos termos do referido ato administrativo, pois, se o fizesse, o faria na contramão do Texto Excelso, como será visto ao depois.
Afronta ao direito de propriedade, isonomia processual e confiscatoriedade
Deveras, sempre que o contribuinte e a Fazenda Pública forem credores e devedores entre si, cabe ser efetivada a compensação na parte comum do binômio crédito/débito, sob pena de desrespeito ao direito de propriedade do pagador de tributos, pois as delimitações firmadas na Portaria em apreço representam uma modalidade de expropriação, ainda que temporária, o que passa ao largo de um dos marcos mais importantes da Constituição e imanente ao Estado Democrático.
Nas dobras do direito de propriedade, exsurge o caráter confiscatório das apontadas limitações, pois trata-se de um critério de tributação com a roupagem de confisco e, por isso mesmo, em total desarmonia com o disposto no art.150, IV, da Constituição da República.
Melhor sorte não cabe ao ultraje à isonomia processual, máxime porque, no caso tematizado que decorre da decisão judicial, cumpre destacar que as partes são iguais, pois a União é tão parte como o tax payer. Logicamente, o princípio da isonomia ou igualdade processual é infenso a qualquer tipo de privilégio.
Desrespeito à interdependência dos Poderes
Em conformidade com concepção assente nas hostes do Direito, a interdependência dos Poderes exprime pressuposto dos pressupostos do Estado Democrático de Direito, o qual, a bem ver, mereceu disposição expressa no art.2º da Carta Magna que assim atremou, in verbis:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Ora a Portaria ora questionada disciplinou decisões judiciais acerca de compensação, invadindo, destarte, a esfera privativa de outro Poder, fazendo-o, é claro, na contramão do Diploma Supremo, abrigando, portanto, mais um traço de inconstitucionalidade.
Violação à coisa julgada
Como sabido e ressabido no universo jurídico, a coisa julgada desfruta de definitividade qualificada como cláusula pétrea, razão pela qual não pode ser modificada nem mesmo por Emenda Constitucional, que dirá por meio de Portaria, como no presente caso. Oh my God!, diriam os ingleses.
Conclusão
Sob qualquer óptica seja, a Portaria sob exame não se escoima de manifestas inconstitucionalidades, pelo que, os credores da União encontram-se investidos do legitimo direito de bater às portas do Judiciário para fazer valer que a decisão judicial seja cumprida!
EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM
Mestre e Doutor em Direito pela PUC -SP.
Professor Emérito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Professor no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET.
Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Cadeira n. 62.
Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo,
Financeiro e Tributário- IBEDAFT.
Sócio de Eduardo Jardim e Advogados Associados.
CV no Lattes CNPQ: http://lattes.cnpq.br/8750317344050177. Email: eduardo@eduardojardim.com.br