O Direito de Certidão Positiva com Efeito de Negativa antes da Penhora
Tema tortuoso e recorrente na seara do Direito Tributário é a negativa de Certidão Positiva com efeitos de Negativa pelos entes tributantes como forma coercitiva de cobrança de seus supostos créditos tributários, o que já foi repudiado, há tempos, pelo Supremo Tribunal Federal que veda a prática de atos que inviabilizem a atividade econômica dos contribuintes,[1]inclusive com edição de Súmulas,[2] sob pena de violação à livre iniciativa e liberdade de trabalho consagradas constitucionalmente.[3]
Com efeito, as certidões que atestem a regularidade fiscal das empresas perante os órgãos tributantes é indispensável para o desenvolvimento regular das suas atividades sociais, sem as quais resta inviabilizada a oportunidade de participar de licitações, de receber honorários, no caso das prestadoras de serviços a entes públicos, de renovar benefícios fiscais, de obter empréstimos bancários, além de inclusão nos órgãos de proteção ao crédito.
Quando os créditos tributários já estão sendo executados judicialmente e havendo a garantia do juízo pelo contribuinte ou quando há a suspensão da exigibilidade, inexistem maiores problemas para a obtenção da Certidão Positiva com efeito de Negativa porque a solução está expressamente prevista no artigo 206 do Código Tributário Nacional.[4]
A problemática reside justamente no limbo para o qual o contribuinte é remetido quando se encerra a discussão travada na esfera administrativa do ente tributante com decisão que lhe é desfavorável e são inscritos os respectivos créditos tributários na Dívida Ativa, sem o correspondente ajuizamento da ação executiva.
O ente tributante possui o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para exercer o seu direito de ação e, portanto, ajuizar a execução fiscal, meio adequado para a cobrança de seus créditos. Por outro lado, não é razoável que o contribuinte que deseje discutir a legitimidade da exação no Judiciário aguarde, sem conseguir obter a certidão de regularidade fiscal durante todo esse lapso.
[1]“Inscrição no cadastro de contribuintes de ICMS. Éinadmissíveloindeferimentocomomeiocoercitivoparacobrançadetributos.PrecedentesdoSTF.Regimentalnãoprovido.”(AI 367.909 AgR/MG, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ23/08/2002).
[2]Súmulanº70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Súmulanº323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmulanº547. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
[3]Artigo 170. A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)Parágrafo único. É assegurado a todos, o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
[4]Art. 206 do CTN. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.
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Para essa situação, o Superior Tribunal de Justiça,nos autos do Recurso Especial nº 1.123.669 – RS, Tema 237, sob a sistemática do Recurso Representativo da Controvérsia decidiu que ocontribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter Certidão Positiva com efeito de Negativa por meio do ajuizamento de ação cautelar.
No relevante precedente restou reconhecido que a“caução oferecida pelo contribuinte, antes da propositura da execução fiscal é equiparável à penhora antecipada e viabiliza a certidão pretendida, desde que prestada em valor suficiente à garantia do juízo. (…) A percorrer-se entendimento diverso, o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco não se voltou judicialmente ainda. Deveras, não pode ser imputado ao contribuinte solvente, isto é, aquele em condições de oferecer bens suficientes à garantia da dívida, prejuízo pela demora do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário”[1].
Com a pacificação do tema pela Corte Superior, os órgãos do Poder Judiciário ficaram vinculados, por força dos efeitos do julgamento em sede de Recurso Repetitivo, a aceitar a “ação cautelar de caução prévia à execução” o que acabou sendo prática reiterada por anos das empresas que necessitavam da obtenção da Certidão Positiva com efeito de Negativa.
Contudo, com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), a Medida Cautelar Inominada autônoma que vinha sendo aceita pelo Judiciário com base no poder geral de cautela (artigo 796 e seguintes do CPC/1973) para fins de antecipação da garantia do juízo enquanto não distribuída a Execução Fiscal, inclusive com caráter satisfativo, deixou de existir no ordenamento jurídico processual.
Apesar de tal alteração legislativa, isso não implica dizer que com ela também foi suprimida a possibilidade de se antecipar a garantia do juízo enquanto não executado judicialmente o crédito tributário a fim de obtenção de certidão de regularidade fiscal, porque a todo direito corresponde uma ação e o princípio da inafastabilidade da jurisdição está consagrado constitucionalmente.[2]
O Novo Código de Processo Civil prevê as Tutelas de Urgência que se subdividem em tutela cautelar e tutela de urgência, ambas provisórias e formuladas no bojo de uma ação de procedimento comum, seja em caráter antecedente, seja em caráter incidental a depender da verificação da urgência.
[1]PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, 09 de dezembro de 2009(Data do Julgamento), MINISTRO LUIZ FUX Relator.
[2] Artigo 5º, XXXV, CF: “ a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”;
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O Tribunal de Justiça de São Paulo debruçou-se sobre o assunto e naquele caso sub judice entendeu que a natureza satisfativa da pretensão seria inadequada à nova sistemática processual que extirpou do ordenamento jurídico a autonomia e acessoriedade do processo cautelar e, portanto, a “ação cautelar de caução prévia à execução” admitida anteriormente, não mais encontraria ressonância na atual sistemática.[1]
Uma interpretação mais apressada levaria à equivocada conclusão de que por não mais haver a possibilidade de “ação cautelar de caução” não haveria outra possibilidade, no âmbito do ordenamento processual, de se efetivar a antecipação da garantia do juízo, direito esse já reconhecido pela Corte Especial.
Todavia, não é essa a interpretação que deve ser extraída do referido precedente que reconhece, ao final, que a tutela cautelar de natureza antecedente deveria ser se relacionar a ação de rito comum ordinário, de natureza anulatória de débito fiscal.
No nosso entendimento o contribuinte não está obrigado a discutir a inexigibilidade do débito por meio de ação anulatória para que possa antecipar a garantia do juízo, pois pode lhe ser conveniente discutir nos Embargos à Execução a serem propostos quando do ajuizamento da Execução Fiscal, inclusive em razão do foro especializado existente na comarca da capital.
Basta que seja ajuizada ação de rito comum ordinário com a finalidade de obter a simples declaração de que não está inadimplente perante o fisco e pretende evitar quaisquer efeitos nefastos advindos com a mora e por esta razão, obter o reconhecimento judicial quanto ao exercício do direito de se antecipar o oferecimento da garantia, principalmente se for depósito judicial, seguro-garantia ou fiança bancária, amplamente aceitos pelos credores e pelo Judiciário.
Outrossim, seja por tutela cautelar ou antecipada, presentes os seus pressupostos, o exercício do direito do contribuinte de antecipar a garantia do juízo quanto ao crédito tributário inscrito em Dívida Ativa ainda pendente de ajuizamento da ação executiva, está assegurado pelo novel ordenamento jurídico processual para fins de obtenção de certidão positiva com efeito de negativa, conforme previsto no artigo 206 do Código Tributário Nacional.
[1] Apelação nº 1010617-47.2017.8.26.0053, Rel. Des. Ferraz de Arruda,13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 30 de agosto de 2017.